O queixo cai e os últimos anos passam na minha cara como se uma peça estivesse sendo pregada em mim, por mim mesma. Os choros, os pânicos, os excessos, as fugas, as coisas escondidas. Observo a voz de roupa mostarda enquanto me lembro dos remédios com hora marcada e a alimentação medida, sendo complementada por pós coloridos com gosto de chuchu.
- Então, independente do que está acontecendo agora, você não é. Você está.
Eu estou.
Respiro fundo, corrijo a postura, cruzo as pernas e sinto a leveza de me sentir um ser mutável, adaptável, moldável.
- Bom, vamos começar. Não esquece de não entrar no pensamento e apenar observar.
Observar a minha sala de aula que coloca fogo na cortina enquanto a galera do fundo joga truco. Certo.
- Apenas observe...
Respiro, me corrijo, me observo e lembro das coisas que eu simplesmente não quero mais. Sinto a ponta dos meus dedos, meu pulmão se expandindo, o ar entrando. Os pensamentos passam pela minha cabeça como um pronto socorro em época de virose, e eu sou aquela atendente que só faz ficha e observa o entra e sai de gente doente. O mais louco é que tudo aquilo sou eu. A assistente, as pessoas doentes, os médicos, o hospital; o que quebra todas as minhas teorias defendidas de que corpo e mente são uma coisa só porque, naquele momento, meu corpo e minha mente eram coisas bem distintas e com vidas separadas.
Eu não sou. Eu estou. E talvez eu não seja nada. Talvez eu não precise ficar me agarrando em títulos que jogaram em mim ou em ideias que eu não ajudei a criar.
Porque eu não sou. Eu estou. Mudanças, adaptações, formas, tensões, pavores, temores. Eu não sou nada disso, eu apenas estou.
Não sei como as pessoas se sentem melhores quando frisam a ideia de ser a mesma durante a vida toda, sabe. Não sei como que se reconhecer sempre do mesmo jeito se torna algo positivo quando a ideia de se adaptar a algo nos amadurece e nos faz querer ser mais do que aquilo que sempre sonhamos.
Eu só... Não sei.
Só que sei que não sou, literalmente.
Só sei que estou.
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