Bato as unhas na mesa enquanto meu eu traumatizado me observa.
- Você sabe que está fazendo de novo, né?
Paro os dedos e respiro fundo.
- Não estou fazendo de novo. Eu só acho que eu mereço mais. Que nós duas merecemos mais.
Encaro meu lado traumatizado e me lembro exatamente da chuva de sensações que começou a dividir todos os meus sentimentos em pessoas diferentes. Estico a mão, como quem oferece colo, e abro um sorriso. Ela me entrega a ponta dos dedos como quem não quer devolver um livro bom que emprestou da biblioteca.
- Você me garante que vai ser diferente?
- Eu não posso fazer isso.
- Então como eu vou saber...?
- Não vai. Não vamos.
Em um movimento súbito, a ponta dos seus dedos não estão mais encostando minha mão.
- Não sei se eu quero isso.
- Por que não?
Eu sei a resposta, mas dizem que dizer as coisas ajudam em sua solução.
- Você não se lembra como foi da última vez?
E como me lembro. Das músicas, dos cheiros, das sensações de alívio e paz que há muito tempo não sentia. Até não ser mais assim.
- E você ainda quer tentar de novo?
- Eu não quero não tentar. Eu não quero ficar nessa sensação de inércia. Eu não quero pensar que eu poderia ter tentado. Eu não quero fugir, e sei que não mereço mais fugir.
Não merecemos.
Do seu rosto escorre uma lágrima enquanto eu me aproximo e me vejo no espelho. O eu traumatizado ainda sou eu, assim como o eu apavorado, assim como o eu cheio de caixas de traumas abertas espalhadas pela sala mental. Minha mão, que antes batucava a parte externa da pia do banheiro, agora enxuga uma lágrima de pavor de sair da zona de conforto.
- Tudo bem. Vamos tentar.
*
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