- No que você está pensando?
- Sempre que você pergunta isso, eu não acredito que esteja realmente interessado em saber tudo que minha cabeça monta e desmonta durante o dia.
-Eu quero saber. Me conta.
Respiro fundo e aproveito a deixa:
- Eu ouço você. Mesmo. Eu ouvi você dizendo sobre a sua mãe falar sobre coisas que não tem relação nenhuma com você e reclamando de coisas que você não consegue melhorar, mas está super quente lá fora e eu vejo formigas subindo a parede, o que me faz pensar sobre isso ser só extinto ou se tem algum objetivo por trás do sacrifício de subir pela parede, mesmo ela não sendo tão difícil de subir, e eu também reparei que o caminho todo está iluminado pelo sol, ou melhor, sendo torrado pelo sol. Levando em conta a insistência em subir a parede pelo lado que está pegando sol, eu me perguntei se formiga sente calor.
Seus olhos arregalam como se eu tivesse falado um palavrão em hebraico.
- Você disse que...
- Acho que sim, mas menos do que a gente.
- Acha que sim o que?
- Acho que sentem calor, sim.
- Mas elas não se queimam?
- Os ossos delas ficam na parte externa do corpo, então o calor, assim como a sensação de dor, é menor.
Encaro a família que sobre a parede. Não parece uma família, na verdade. Parece um exército. Um exército com ossos externos e praticamente impenetráveis.
- E no que mais?
Eu o encaro:
- E no que mais o quê?
- No que mais você está pensando?
É como se meu mundo desmontasse. Ele me observa enquanto eu ainda analiso a família exército subindo a parede com o sol torrante firme e forte.
- Me conta. Eu sempre quero saber.
Eu sorrio sem perceber. Ele joga a perna para fora da janela enquanto eu tento montar frases com sentido para expressar minha explosão de pensamentos aleatórios. Eu encosto a cabeça no peito dele, ainda sorrindo, e encaixo a minha mão na dele, quando ele me beija.
O mundo pára.
No meio de um calafrio maravilhoso, a voz dele surge, com um tom de dúvida:
- Estou meio chocado...
- Com o que?
- De onde você tirou a ideia sobre formiga sentir calor?
*
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